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sábado, 3 de maio de 2014

Ayrton Senna, há 20 anos

Faz vinte anos que eu estava indo para a casa de uma namorada. Para chegar até lá eu tinha de passar por dois bairros. Quando andava por uma rua do segundo, rua parte asfalto parte barro seco, longa, com poucas casas e dois bares espaçados, ouvi um grito: «Não acredito!» Fez-se silêncio no mundo. Uma senhora saiu de casa e sentou-se na calçada. Chorava aos soluços: «É muito injusto! Um rapaz tão bom!» Continuei o meu caminho, mas fiquei mais atento à minha volta. Suspeitei de crime e por precaução alinhei-me mais aos muros da direita.

Mais adiante, três homens sem camisa ao balcão de um botequim. Um deles com a mão na cabeça e a olhar para a rua sem me ver; o outro com os olhos vidrados na televisão e um copo americano distraído entre os dedos, torto, do qual entornava aos poucos fios de cerveja; o terceiro chorava, a cabeça encostada à coluna de madeira que sustentava uma proteção de zinco do botequim. Parei. E então vi na televisão daquele bar repetidas vezes o acidente do Ayrton Senna. Juntei meu pequeno e absorto silêncio ao silêncio de todo o país. Depois disparei os passos para chegar mais depressa na casa da namorada e poder acompanhar melhor o triste acontecimento.

Pelo caminho, gente chorando. Grupos de pessoas na frente das casas, braços cruzados, olhos vidrados no nada. Ninguém queria aceitar a injustiça sem tamanho que era aquela morte. Foi o que mais ouvi durante toda a caminhada: «É injusto, ele não merecia!»

Foi a primeira vez que vi o 'povo' chorando por causa de um ídolo. Nunca havia imaginado que uma comoção assim pudesse acontecer de fato. E então fiquei também muito triste. Ayrton Senna não merecia ter morrido naquele acidente. Nem em qualquer outro. Tão jovem, tanto sucesso, um rapaz humilde e com olhar e postura infantis e sossegadas. Foi injusto. Continua sendo. E não haverá quem me justifique uma morte no auge da carreira e da adoração unânime de um país.

Hoje vou novamente desde o bairro Jardim Esplanada até o Rancho Novo através daquela mesma rua do Jardim da Viga onde um ídolo nacional morreu. Mas vou me demorar mais um pouco ao lado daqueles homens sem camisa no botequim. Peço mais um copo e pego a garrafa de cerveja do balcão de madeira forrado em zinco. Deixo-me ali um pouco junto deles, mais uma vez, a olhar para o nada e ainda sem conseguir acreditar naquela estupidez de acidente. Foi injusto. Ainda é. E o mundo inteiro confirma.