sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Janelas da cor do lume

É uma noite fria, e vou pela estrada. Escondo as mãos nos bolsos da gabardina e sigo em passo lento, de cabeça baixa. A aldeia dorme ou finge dormir para que no dia seguinte não se espalhe pelos cafés o horror da insónia. De manhã cedo vão dizer uns aos outros: «Então? dormiste bem?» e vão responder que sim, apesar do pedaço de noite agarrado debaixo dos olhos. Levanto a cabeça e vejo um cão negro que vem a trote pela outra calçada, na minha direcção. Quando dá por mim reduz a marcha, espreme-se junto ao muro de pedras e acelera em perigo inventado ao cruzar comigo. Ouço suas unhas riscando o chão. Depois reduz para o de antes, mas ainda vira a cabeça a ver se fico mesmo no passado. É noite, bem se vê. Vou confessar uma coisa: é muito difícil atravessar a insónia dos outros. Estou até cansado, mas quase no meu destino. Vejo fumo imaculado a sair pela chaminé de um dos meus vizinhos e a sua janela tem a cor do lume. Aquece-me logo os olhos. A conversa está boa, mas com licença que já cheguei em casa e preciso fechar a porta. Até logo. Para ti também, boa noite. Vai com Deus. Ah! só mais uma coisa: se fores embora pelo mesmo caminho, olha aqui para cima e vais ver que já serão duas as janelas da cor do lume. É que eu vou pôr também um pouco de insónia para arder.

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