Olha ali para o céu, menina. Vês a Ursa Maior? E Marte, que nesta época está visível a destoar com o seu alaranjado tímido no meio dos diamantes celestes? Aquela outra ali mais para a direita também não é uma estrela — é Vénus, uma deusa e seu esplendor azul. Não é apenas uma noite límpida. Não. É muito mais que isso. Vou revelar-te um segredo: é uma noite mística, encantada. Todas as noites o são, mas esquecemos facilmente. Não te deixes enganar pelos fantasmas que vais encontrar vida à fora e que fingem crer em mecanicismos estúpidos, gente esquecida do sagrado, esquecida de todo o resto da humanidade desde o início dos tempos até bem pouco tempo atrás. Escuta: ser humano é reconhecer-se inserido em toda a grandeza do mundo. Os homens são seres encantados, não te esqueças. Olha ali para baixo! Vês? Há névoa de prata, mas apenas sobre o Rio Paiva — um presente da lua quase cheia que vai arrastando o seu manto a serpentear entre os montes. Todos os cães da aldeia estão sentados a olhar fixamente para o céu. Corujas piam amores de um extremo ao outro da paisagem. Gatos gritam na sua língua extensa e aguda um amor mais violento mas ainda amor, amor selvagem. Toda a natureza é vida! Mas vamos entrar. É hora de dormir. Não, não vais sonhar apenas enquanto dormes. Já te enganaram? Estás a sonhar sempre que manténs os olhos bem abertos para a beleza infindável da natureza. O resto é conversa de quem desaprendeu a ser humano. Vou-te mostrar uma coisa. Segue o meu dedo indicador a percorrer os 360º (e os teus olhinhos também giram espantados por toda a imensidão do meu gesto): tudo isto é nosso! Guarda esse mistério sobre a eternidade na tua memória. É um modo muito antigo de olhar o mundo, o modo mais humano. É a única herança de valor que possuímos.
sábado, 7 de janeiro de 2012
A única herança que vale
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