Eu quase morro de saudades do Brasil. Se eu morresse, o Brasil desaparecia-me. Então, eu quase morro; mas quanto mais tempo passa mais são as vezes que me ocorrem estes pré-falecimentos. Mas esse meu morrer é recente. Eu precisei da distância para reparar nos detalhes que me eram importantes e que me fazem falta. Por exemplo, o cheiro das folhas da mangueira. Ou a temperatura do vento; um copo de caldo de cana na pausa do passeio de bicicleta com os amigos; o marasmo após o almoço temperado a mormaço e lentidão digestiva; as tempestades de Verão, homéricas, diárias, relógio popular:
— Que horas nos encontramos?
— Depois do temporal.
Um Brasil de sensações. Berço da minha percepção, escola do meu dizer.
Hoje visitei meus lugares, via internet. Andei ruas que já não se parecem mais com as da minha lembrança, pois o tempo passa e não nos liga nada. Não nos avisa:
— Vou fazer obras: mudar a cor desta casa, cortar aquelas árvores…
Mas nada corta-se da imaginação, da memória. Ali o tempo não pode. As minhas ruas — Avenida Baltimore, Rua da Conquista, Avenida Pensilvânia. As minhas árvores — mangueiras, goiabeiras, amendoeiras — estas que são as casas de grandes morcegos que ainda dão rasantes desde e sobre a minha infância; nada disto foi ferido pelo tempo. Têm a pele lisa e sedosa de outros anos. Eu também não fui ferido, eu quero crer que não. A imagem que fazemos de nós aos poucos se vai distanciando daquela que vemos no espelho. Porque somos mais do que uma imagem, estamos para além dela. Somos todas as nossas idades acumuladas, ao mesmo tempo, aqui e agora. Agora. E aquele agora já mais ali adiante, que vai sendo. Eu não tive doze anos: eu tenho os doze dentro dos meus trinta e oito.
O correto seria oferecerem descontos, preços mais baixos quando o viajante quisesse visitar o seu país de nascimento. Por enquanto, como ainda não posso desviajar, eu tenho de correr longas distâncias ao passo da imaginação. Agora, por exemplo, estou à sombra desta mangueira. Que belo fim da tarde. E que susto! deu-me esta manga que me caiu ao lado enquanto eu olhava as nuvens avermelhadas no horizonte e sentia esta brisa mexer-me nos cabelos. Pego-a, à manga espada. Meto as unhas de um lado e descolo parte da sua casca. Um triângulo amarelo baço surge-me aos olhos da boca, fibras perfeitas para acarinhar os dentes. Mas tenho de vos pedir licença. Já não posso escrever mais. Tenho os dedos lambuzados desde uma lonjura imensa e nem um oceano inteiro pelo meio me vai lavar este sabor dos dedos. Não vai. Até qualquer hora. Mas só depois do temporal.
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