Tantos vestígios que vou deixando para trás: gravações de músicas feitas no Brasil; as de Portugal; as do Peixe da Lua; eu e o violão; gravações da voz de familiares, amigos; concertos; cartas, crônicas, contos, livros iniciados; blogs, sites; fotografias; memórias de mim nos outros; tanto. Há pouco, à procura de um arquivo no meu disco externo, dei com um backup do Brasil. E nele encontrei três arquivos de áudio com gravações da rodovia que passa a uma quadra da casa onde cresci. Sons que vêm desde a minha infância e que não me largam, que me fizeram a mim no que fui e ainda me fazem no que vou sendo. Em dois desses arquivos há também o latir de vários cães numa madrugada de revelação, e o da rodovia ao fundo. Lembro-me de os ter gravado para os pôr em alguma crônica que falava daquele momento, daqueles sons, daquela aparição da eternidade que me calhou naquela madrugada à janela. Na terceira gravação, mais longa (quase 4 minutos), há só os sons da rodovia. Gravei-a uns dias antes de vir morar em Portugal. Eu queria trazer a rodovia comigo, para o futuro que nunca sabemos. Gravações que fixaram um passado. Quando meti-as a tocar… Estremecimento. Foco tão intenso de luz a iluminar repentinamente um ponto exato no labirinto da minha memória. Um cômodo fechado há tanto e de repente janelas e portas arrancadas e paredes que foram à vida como se desmanchadas por um furacão. Eu ia escrever sobre as sensações que se desencadearam e o que em mim estalou feito disparos de revolver num alvo estático, como se eu num paredão de fuzilamento. Mas os tiros devem ter acertado em cheio as minhas mãos. E estou sem elas para mais que isto.
sábado, 1 de junho de 2013
Gravações da rodovia
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