O Farruco é um cão muito conservador, odeia gatos. Sem ecumenismos ou coisa assim. Outro dia quase fatiou o gato lerdo do vizinho. O raio do gato preto e velho é burro demais. Todo noite senta-se em frente à porta da cozinha, na varanda, e põe-se a ver estrelas ou ratos nas nuvens, não sei, e todo dia o Farruco dá-lhe sebo nas canelas. É uma rotina tão escarchada que antes que eu abra a porta, mas já na iminência de, o Farruco fica na posição de tiro e mal abro uma fresta ele sai em modo espoleta varanda e escadas abaixo, na certeza de trincar o bichano lesado por já saber da exata localização costumeira do invasor. De cada 10 vezes que abro a porta em oito o Farruco faz o gato voar por cima do muro. E safa-se nas outras duas por estar a chegar ou a sair e ser assim fácil dar a meia-volta. É burro mesmo, o gato. E meio lerdo nas fugas, parece que está cheio de ar, inflado, e tem dificuldades com a gravidade, inclusiva com a da situação. Tem cara de espantado, olhar de louco, e o pelo preto todo estufado. Mas há duas noites eu tive de intervir, pois os dois se enroscaram de tal modo no chão que eu só via um tufo preto a girar a bufar a rosnar. Tive de pôr ordem na bicharada. Berrei «Farruco!» e os dois pararam imediatamente e ficaram a olhar para mim. Ainda tive de ter a gentileza de dizer para o gato: estás à espera de quê? foge infeliz! E só aí ele se foi, lutando com a gravidade, inflado, a rebolar na ponta das patas. E ainda teve de tentar o salto do muro duas vezes, enquanto o Farruco o motivava ao pé do rabo. Mas depois disso, já são duas noites de ausência. Será que aprendeu? E até quando se lembrará do aprendizado?
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