domingo, 23 de outubro de 2011

Daí não vês os meus olhos, pois não?

Daí não vês os meus olhos. São olhos líquidos, reluzentes. É que o céu está cinza e é possível ver a paisagem refletida na retina. O vento é forte e um cão ladra ao longe da mesma forma que longe vão os meus pensamentos. Ladramos pelo mesmo motivo. Dividimos a inquietação e assim o peso do indizível em nós já não está a cavalgar às costas só de um mas de dois gritos: uivos que ecoam pelos montes a competir com trovões. Coragem aflita. Um raio rasga o espaço e desfaz por instantes a imagem na retina. Um branco intenso. Luz. Fogo. Som. Força que retesa os nervos e encolhe o corpo assustado. Põem-te em teu lugar, homem. O cão já está cansado. Ele baixa a cabeça e segue a passos lentos para junto da lenha no abrigo. Uma tempestade se aproxima, é inevitável. Não nos cansemos a toa: não adianta gritar para as nuvens. Há limites para o som no espaço e na hierarquia dos elementos um trovão está mais carregado de autoridade do que um imperativo animal. Cala-te. Faz como o cão. Vai para junto da lenha que o teu abrigo é uma lareira acesa. Vou sim. Daí não vês os meus olhos, pois não? São olhos líquidos, efervescentes. É que eu risquei um fósforo e na minha retina há uma pequena chama cheia de promessas. Basta-me. É pouca a lenha que consigo carregar em meus braços. Vou carregá-la junto ao peito. O coração também é abrigo.

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