terça-feira, 25 de outubro de 2011

A gabardina

Tirei a gabardina de onde a tinha escondido das Estações impróprias. É preta. Por ela a chuva não passa: desfaz-se tecido impenetrável abaixo em intensidade e velocidade reduzidas, vencida gota a gota ao chão enquanto eu passo a passo a caminho de Trancoso. Faço música com os pés ao pisar em terra e folhas, mas desafino se encontro uma pedra e tropeço sem graça na partitura ainda que não erre o sorriso. Levanto a cabeça e o vento tenta tomar meus dois olhos a dentro. Ponho-os engelhados que a natureza é impetuosa, mas eu também. Não sei se o vento está verdadeiramente forte ou se sou eu que vou abrindo uma fenda no espaço contra a resistência do mundo. Quando somos mais poderosos? quando avançamos ou quando resistimos? Sigo adiante com cuidado para não perder um equilíbrio qualquer que me justifique. Um, dois, três, recomeço a música sem perder a pose pois são muito poucos os ouvidos treinados. É mais aceitável errar no improviso do que atravessar uma canção ensaiada. Mas eu vou apenas tomar um café.

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