Todos estavam na cozinha. Fui até o quarto procurar os fones de ouvido e ao abrir uma gaveta encontro um frasco de perfume lindíssimo, pequeno. Estico o pescoço e olho rapidamente através da porta entreaberta para a cozinha. Estou seguro. Meto um sorriso matreiro nos lábios e procedo ao furto, enlevado de fraternidade familiar. Humedeço o indicador e perfumo o direito e o esquerdo do pescoço. Quando então… Que cheiro horroroso! Estou empestado de um odor que me faz lágrimas de arrependimento: o crime não compensa e fede como o diabo! O Farruco, que é sempre a minha sombra cúmplice, faz que vai chorar, desata a correr para a cozinha e mete-se na cama dele em posição fetal. Depois de quase arrancar a pele com a intenção inútil de me livrar das olfactivas provas, vou também à cozinha. Minha mãe e avó em uníssono: «Cruzes! Que cheiro a podre é esse?!» Confesso meu acto criminoso e depois dos longos minutos que passam a rir da minha cara (com as mãos tapando o nariz), minha mãe explica-me: «É um perfume Francês, velhíssimo! Deve estar estragado. Deve não, está estragado, com certeza! Argh!» Pergunto: velho, quanto? séc. XVI?! Não me dão resposta, estão a rir. Tomei um banho concentrado, mas continuo a sentir o cheiro do enxofre. Deve estar entranhado na minha alma perdida de larápio. Cheguei no café e escolhi a mesa mais isolada. Por favor, não se cheguem para muito perto. Deixem-me purgar os pecados com meu nariz solitário, para o vosso bem.
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