Uma tarde cinza, as nuvens baixas, pesadas, o frio que começa a nos alcançar os pés. O silêncio dobrou a esquina e veio sentar-se nos degraus do Pelourinho à espera da segunda-feira, impaciente. Olha-te naquela poça d’água perto do plátano, o que vês? Uma sombra mais clara dentro de outra maior e mais escura. Está quieto! sem luz suficiente para reflectir, nem Narciso teria mais sorte. Achas que sem luz ele seria Narciso? Que esta tarde ceda logo passagem. A repetição dos dias, a rotina estampada nos rostos que vão acordar na manhã seguinte, o dia seguinte que será o mesmo da semana passada como será idêntica a esperança de que não o seja. Não reparem, ele tem os pés frios e algo a caminhar de volta sobre a ponte que divide estes dois dias. Há-de procurar algum equilíbrio. Mas isto foi há pouco, agora já estás a comer torradas dentro do café e pudeste acompanhar pela janela o desfecho do fim-de-semana. Não te iludas, acabou. Para a semana tens um igual a este, sem tirar nem pôr. Já o meio da semana. Vais passar uns dias à Aveiro e os teus olhos já estão animados em poder rever aqueles barcos coloridos com nomes engraçados, pintados em branco. Estás no café. Aqui dentro há luz suficiente e já podes ver o teu sorriso no vidro que te separa do Largo, do domingo, da segunda-feira, da poça d’água, dos plátanos. Já não está mal, pois não? Não. Já podes atravessar sossegado a ponte entre os dias. Às vezes é tão fácil o equilíbrio. Um pouco de luz, o reflexo a sorrir, e um adeus sincero para um dia que vai dobrar a esquina sem levar nada do que é teu. É teu o que pões a reflectir. E se arqueias as sobrancelhas assim, uma de cada vez, a revezar, é que é alegria. Pronto. Já estás a reflectir palhaçadas e a olhar para os lados a ver se repararam na tua súbita lucidez. Então faz uma última coisa: acaba depressa esse café que tens um dia inteiro a terminar.
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