sábado, 21 de janeiro de 2012

Reza que o sono vem

Farruco está sem jeito na cama. Enrosca-se, levanta-se, arrasta com uma pata o seu tapete de um lado para o outro, dá voltas em torno de si mesmo, os olhos fixos a procurar um ponto certo para a enrosca e que é um ponto invisível, dificílimo de encontrar. Acho que se cansou, coitado. Enfim, deixou a cama e foi deitar-se de barriga no chão e com as pernas arreganhadas para trás. Pôs a cabeça por cima das patas dianteiras, que estão juntas, à sua frente. Deve estar a rezar para vir o sono. Foi a primeira coisa que aprendi sobre a oração
— Mãe, não consigo dormir...
— Reza que o sono vem.
e sempre funcionou. Pai nosso que estais no céu... Ave-Maria, cheia de graça... e Deus mandava um anjo nocturno abrir sobre mim as suas soníferas asas e eu pensava na manhã seguinte:
— Deus existe.
E os anjos, os santos. Sei dessas coisas. De não encontrar uma posição na cama, virar para um lado e para o outro e, por fim, levantar, dar uma volta pela casa, fumar um cigarro na varanda e verificar se as estrelas mudaram de posição enquanto estive às voltas em torno de mim mesmo, a ajeitar com as patas os lençóis e nada; sei como te sentes, cãozinho. Eu só não consigo ficar assim acachapado, como diz a minha avó. Isto de ser humano às vezes é uma seca. Mas fizeste bem, Farruco. Vejo que já estás a ressonar. Eu te disse
— Reza que o sono vem
que rezar resultava. E agora dei comigo a rir sozinho, a imaginar um anjo de quatro patas a estender as suas soníferas e caninas asas inimagináveis sobre ti. Um anjo que tem a tua cara. Vê se pode, Farruco…

Sem comentários:

Enviar um comentário