Eu vinha pela estrada quando um casal bem velhinho ofereceu-me boleia. Eu gosto de caminhadas, mas aceitei por já ter negado as tantas que já me ofereceram. O senhor falou do tempo e eu, que tenho sempre as previsões climáticas na ponta da língua, passei as prescrições, bruxo informático que sou, com os dedos a apontar para as nuvens e uma sobrancelha arqueada para a devida autoridade, mas sem revelar os segredos mágicos da seita tecnológica na qual fui iniciado. Depois, o silêncio. Foi aí que a minha feitiçaria veio a baixo. O casal ia tão quieto. Mas era muita a paz que pairava de um para o outro. Um silêncio eterno que deixava transparecer toda a cumplicidade que devia haver entre eles. Os gestos lentos do senhor ao volante, a baixa velocidade em que seguia, a senhora muito bem posta e sempre a olhar para a frente, acostumada com o seu marido a conduzir. Toda uma gama de hábitos, de rotinas caseiras, todo o passado deles conjurado e aceito e ao mesmo tempo ali presente, tudo isso inundou-me de uma só vez e pensei: devem ter a vida em dia e, se calhar, passam tempo infinito em silêncio um ao lado do outro, não por não terem o que dizer: por não ser preciso. Chegamos. Despedi-me: obrigado. Que isso! por nada, e isto são coisas? disse o senhor. A senhora sorriu-me adeus com uns olhinhos pequeninos e húmidos de antiguidade. Entrei no café e tive de escrever isto. Que jeito? se eu ainda não tomei posse de um silêncio daqueles?
quinta-feira, 15 de março de 2012
Tomar posse do silêncio
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