segunda-feira, 25 de junho de 2012

Duas tardes no tempo

cadeira-de-balanco-de-ferro-5Dentro do café minha expressão estava fechada, carrancuda, mas eu não havia percebido. Tinha os olhos crispados, costas curvas, pernas esticadas e tensas por debaixo da mesa, os olhos pesados da preguiça que se me havia instalado no corpo e os ouvidos em aberto para todas as vozes somadas ao barulho que vinha da televisão em alto volume. Deu-me um arrepio nos ossos e saí para a esplanada. Arrastei uma cadeira para um sítio vazio à sombra do plátano e deixei-me estar em mono. Então senti o vento morno a bater no meu rosto e a desmanchar a tensão das entrelinhas dos meus olhos com os seus dedos invisíveis. O corpo deixou escapar o arrepio contido nos ossos e espalhou-o por toda a extensão da pele, eriçando os pelos dos meus braços em sinal de alegria e boa disposição. E já não houve mais preguiça senão a inventada por mim naquele instante para cumprir aquela tarde de pacificação interior à sombra do plátano no largo de Trancoso, numa tarde de domingo que ia desde o presente até o meu passado, para uma outra tarde parecida, mas sob uma amendoeira, eu numa cadeira de balanço, pêndulo da minha infância a dar os segundos e a marcar sulcos no tempo, linhas paralelas no barro macio do quintal da casa que era da minha avó, no Brasil, e que agora é só minha, da minha imaginação.

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