Faz algum tempo, eu falava com um senhor que tinha acabado de conhecer na rua e então ele veio com as perguntas e exclamações de praxe:
— O que estás a fazer em Portugal? isto aqui está uma tristeza. No Brasil é que está bom.
— Foi o destino que me calhou, fazer o quê?
Então expliquei-lhe por alto os motivos das decisões que às vezes temos de tomar por causa das circunstâncias. Enfim. Mais para adiante na conversa, nós já muito à vontade um com o outro, ele diz-me:
— Vou te fazer uma pergunta. Sejas sincero.
— Diga.
— Trata-me por tu, por favor. Olha, vamos ali ao café. Tomamos algo.
Tinha um café a cem metros de onde estávamos. Chegamos, sentamos à esplanada. Dois cafés, por favor, e um copo d’água.
— Mas diga, ou melhor, diz-me lá, a pergunta.
— Conheces algum brasileiro que tenha vindo para Portugal e tenha conseguido vencer na vida por aqui? Algum que viva bem e mais descansado. Brasileiro, homem. As mulheres têm lá seus meios de conseguirem um português enraizado e com algumas posses; mas um brasileiro, conheces?
Para o distrair, enquanto fazia a minha pesquisa interior de dados, pus no rosto um olhar enviesado. O café chegara no intervalo exato, que era o da espera da minha resposta. Dei um gole, saquei de um cigarro, acendi-o, soltei o fumo, enquanto linhas e linhas de comando cerebral passavam aceleradas diante do meu espírito à procura de um nome qualquer.
— Assim, de repente, eu não me recordo de nenhum.
— Nem te vais lembrar, pah! Eu só conheci brasileiros que trabalhavam em empregos temporários ou em funções mais básicas, mesmo que tivessem estudos e essas coisas. Pensa bem? Vivem em rotatividade nos empregos, de um para outro, sem parar. Ou são vendedores porta à porta, ou são funcionários em fábricas ou oficinas de automóveis, mas dificilmente conhecerás um brasileiro que ganhe mais de mil euros por mês. Exceto, claro, os que vêm para cá e têm família com empresas ou em órgãos públicos. Mesmo assim…
Passei-me. Eu já devia ir no terceiro cigarro, pois ele foi falando aos poucos, como se quisesse me dar tempo para pensar e argumentar contra ele, mas certo de que eu não teria hipótese. No fim, depois de se levantar e pagar os dois cafés, arrematou:
— Vai-te embora para o Brasil. É o que fazes melhor. Eu vivi vinte e seis anos no teu país. E sabes de uma coisa? Gosto mais dos brasileiros que dos portugueses. A sério. Sempre fui muito bem tratado lá, mesmo sendo imigrante. Ganhei dinheiro. Tive de voltar por causa da família, mas por mim tinha ficado lá. E sabes o que ouvi outro dia de um vizinho meu que tem uma empresa de calçados?
— Não.
— O vizinho disse-me: «Ontem apareceu-me aqui um brasileiro a pedir emprego. Achas que vou dar trabalho a um desses que vêm para cá roubar vagas de trabalho aos da terra? Prefiro empregar um velho idiota, mas português, que um brasileiro. Que voltem para a terra deles, pois nem deviam ter vindo para cá» É assim. Não sempre, acredito; mas é.
Eu já tinha ouvido coisas semelhantes em cafés, sem que soubessem que havia um brasileiro sentado na mesa ao lado. E respondi que sim, eu sabia. Ponderei: o mais curioso era que eu inclusive havia nascido no Brasil porque a minha família, portuguesa, tinha ido para lá ganhar a vida. Muitos voltaram e trouxeram os filhos consigo; ou estes vieram mais tarde, como no meu caso. A minha situação era um pouco mais cômoda, pois ao menos não havia essa rejeição ou discriminação nos lugares onde me conheciam como sendo membro de uma família portuguesa. Ou no caso das pessoas que me viam como um ser exótico, da terra da alegria sem fim que vinha dentro de garrafas grandes de cerveja aguada; do samba no pé desde o berçário; do sexo fácil, livre e sem limites com mulheres sensuais que andam meio despidas pelas ruas; do futebol como dom dispensado por Deus a todas as crianças brasileiras mulatinhas e pobres; e por aí a fora; e então expressavam o desgosto de não terem nascido num lugar tão bom e com gente assim alegre e de bem com a vida. Eu concordava imediatamente: quem me dera ter nascido em um lugar assim também, onde fica? Eu também quero ir para lá! Mas é inútil a tentativa de desmistificação. O Brasil, para muitos portugueses, é uma espécie de paraíso. E claro, um paraíso onde só existem brasileiras.
Fiz questão de dizer-lhe:
— Mas sou muito bem recebido, e muitas vezes justamente por ser brasileiro. Sempre puxam conversa. Veja o senhor, por exemplo. Nunca nos vimos e estamos aqui a tomar café e a conversar como se nos conhecêssemos há muito tempo. Posso dizer que ser brasileiro sempre me pareceu uma vantagem, no meu caso.
— Ora essa, eu não disse que sempre acontece assim! Há casos e casos. Eu falava da questão do dinheiro, do trabalho. Nem só de convívio vive um homem!
— Pois. Entendi.
— Adeus, meu amigo, tenho de ir embora. Mas ouve o meu conselho: volta para a tua terra. Ou transforma-te no primeiro brasileiro que eu conheci e que se deu bem — como vocês dizem — em Portugal. Então, se isso acontecer — espero estar vivo até lá — pagas-me um café e ficas a rir da minha cara até dizer chega.
Despedi-me. Não sei se com uma ideia ou se um desafio em mente.
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