Lembrei-me agora de um dos malucos da minha infância. Não tinha telha nas ideias e entrava para a cabeça o que lhe dava em cima. Vou chamar-lhe Inocêncio. Havia sido músico antes de enlouquecer (compreendo-o perfeitamente). Músico «profissional», o que no Brasil pode significar apenas que ganhava alguns trocados em apresentações. Mas mesmo doido tocava vários instrumentos, e muito bem. Diziam que era mestre no saxofone e eu nunca vi alguém tocar pandeiro como ele. Mas ele não vivia da música (compreendo-o perfeitamente), tinha outro emprego. Certa vez, sob uma acusação injusta, deu em doido. Era muito contente. Vinha pelas ruas a cantar e a bater em algo, e às vezes aparecia vestido com restos de fantasias de escola de samba. Durante um período teve a mania de vir por trás de conhecidos e soltar-lhes um berro para os assustar. E ria-se. Um dia, eu estava sentado em cima do muro do bar ao lado da minha casa. Era uma tarde de Outono embalada em ventania e com o perfume típico do vento daquela Estação. Veio o Inocêncio e encostou-se também ao muro, do meu lado. Ofegava, transpirava agitação. De repente, murchou. Olhei para ele ao mesmo tempo em que ele também se virava para mim, e disse-me: «As flores são tão bonitas, não é?» Olhei em volta, virei-me para ele e comentei: «Inocêncio, mas não há flores aqui.» Ele então pôs uns olhos muito tristes, fez uma expressão inesquecível e respondeu-me: «Mas é por isso mesmo.» Entendi-o perfeitamente, e concordei com a cabeça enquanto ele ganhava novamente as ruas, aos saltos, com a sua fantasia rasgada de porta-bandeira. Meio comovido meio surpreso, pensei: se calhar, nós dois somos uns loucos, Inocêncio. E fiquei a olhá-lo nos seus trapos azuis e brancos, aos pulos, até o perder de vista. Até hoje.
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