quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Na paragem do autocarro

Na paragem do autocarro, às sete de manhã, duas meninas conversavam sobre o dia que tinham pela frente. Uma delas, com o livro aberto diante dos óculos, disse para a outra:

— Geografia: geo é terra e grafia é descrição, acho que é isso.
— Oh pah! sem estudos não chegamos onde queremos!

Riram-se da frase até que lhe escorresse a última gota de ironia. Continuaram:

— O que encontramos em Lisboa?
— Oceanário, zoo, essas paneleirices.
— Hoje vamos ter geografia, história, inglês e matemática... É isso? perdi os horários, deixa-me ver os teus...

Enquanto a outra abria-lhe a pasta e mostrava-lhe os horários, um menino apareceu e abriu a portinhola da capelinha das Alminhas, ao lado delas, e a que tinha perdido os horários repreendeu-o:

— Ninguém pode roubar dinheiro às alminhas! Para!
— Então?! quem tu pensas que és?! Olha que te parto a cabeça se amanhã não trouxeres dinheiro para pôr nas alminhas! Tu o pões e eu roubo-o.

O menino riu-se. Mas afastou-se, encabulado. Houve silêncio até que a menina que tinha os horários comentou com a outra:

— Eu trouxe dois pães e uma garrafa de água, e tu?
— Trouxe umas moeditas. Sem dinheiro não chegamos onde queremos!

E riram-se.

Senti então imensa inveja dos problemas daquela idade. Das preocupações, das dúvidas. Mas mais ainda de todas as certezas que tínhamos e que mais tarde foram perdidas. Depois, passamos o resto da vida tentando recuperá-las.

Então, o autocarro chegou e todos nós metemos os nossos problemas lá para dentro. Mas eu entrei nele muito mais crescido do que me imaginava. Sentei-me e ri de mim mesmo. Para não parecer que tinha sido demais.

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