Falta luz de dez em dez minutos no largo de Trancoso e a chuva parece mais intensa durante os momentos de escuridão. Ele estava a fumar sob a marquise de uma casa vazia, sozinho, e movia a atenção de um para outro pensamento disperso que lhe surgia ao acaso. Ela, surpreendida pela falta de energia, parou a meio do caminho, na sua frente. Olharam-se como duas sombras, até que a luz voltou e acendeu uma linha de surpresa entre o olhar de ambos. Ela não soube o que fazer. Ele sorriu, soltou a fumaça do cigarro e chamou-a para debaixo da marquise enquanto justificava o pedido com os olhos apontados para a chuva. Ela aceitou e pôs-se ao seu lado. Sentiu que ela o olhava disfarçadamente, de soslaio, e percebeu um receio qualquer, o pressentimento de que algo poderia começar a acontecer, algo que ambos adivinhavam. Ela tinha um pequeno sorriso nos lábios. Bastava um gesto ou um início de conversa para que um futuro qualquer acontecesse. Mas ele não disse nada. Tampouco ela. Ficaram assim longos minutos. Até que houve outra falha de energia. Tudo escuro. A chuva era mais intensa e o silêncio ainda maior entre os dois. Quando a luz voltou, ele estava sozinho debaixo da marquise. Perdeu o momento exato de luz entre duas sombras. Nem sinal da mulher, exceto pela poça rasa de água acumulada ao seu lado, prova da sua presença. Sacou outro cigarro e acendeu-o. Então, outra vez, a energia falhou. Mas desta vez não se viu mais nada.
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