Um menino passeia de bicicleta pelo largo de Trancoso. Outro miúdo passa e olha de cima a baixo tanto o menino quanto a bicicleta. Então o primeiro diz, espontâneo: «Foi o Pai Natal que ma deu!» O outro para imediatamente, chega a derrapar os sapatos nas pedras do largo, e sobe os degraus e abraça o pelourinho escondendo meio corpo, deixa só a cabeça em evidência. Olha mais uma vez para a bicicleta e pergunta, cheio de espanto: «Foi o Pai Natal que deu-te?!» O outro balança a cabeça a dizer que sim, foi. Parece mentira, mas foi. E dá mais uma volta com a bicicleta, desta vez uma volta curta, quase um círculo em torno de si mesmo, sempre com um sorriso no rosto e os olhos fitos no menino, exibindo o seu presente. O outro contorce-se de timidez por detrás do pelourinho. Está de costas para mim, não vejo a expressão do seu rosto. Termino o cigarro e volto para dentro do café. Esqueço-os. Achava que sim. Mas agora a noite lembrei desse diálogo, do olhar do menino da bicicleta, do corpo do outro trespassado de espanto, dos nossos instintos todos ali. E vim dizer que sim, confirmo, foi o Pai Natal que deu ao menino aquela bicicleta. Sei o nome dele e tudo, mas não vou dizer. Pai Natal é Pai Natal e ponto. Eu também ganhei alguma coisa, ali, naquele momento, enquanto os observava, só não sei ainda o quê. Mas ganhei.
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