Certas cenas são de uma paz imensa... Entrei. Parecia uma casa vazia. Pus os ouvidos atentos e uma sobrancelha arqueada para a devida curiosidade e, na ponta dos pés, fui até à cozinha. A minha avó estava sentada junto a porta dos fundos que é o seu lugar de costume nesta Estação. Depois do almoço, ela fica a olhar para a estrada e a sentir o calor fraco do sol, protegida por um chapéu de palha. Reparei que estava a dormir. A cabeça baixa, as mãos de oração sobre o colo. Fui até o quarto da minha mãe. Ela também havia adormecido. A televisão ligada e muda a reflectir claridades e o computador ao lado com uma poesia inacabada, escrita por ela no editor de textos. Há muito que ela não escrevia. A casa inteira um silêncio de sesta. E passei a pisar ainda com mais cuidado para não quebrar o encanto. Fui para a sala, e o Farruco estava deitado na sua cama, cordado, muito quieto, seguindo com os olhos os meus movimentos. Só nós dois sobramos neste mundo, cãozinho. Mas é um cão engraçado e à medida que eu me movia pela sala ele movia também os olhos, até que eu fiquei fora do seu campo de visão e ele teve de ficar com as pernas para o ar para conseguir me ver. Ri para dentro. Dava graça aquele cão a me olhar de cabeça para baixo. Andei para o outro lado e ele se contorceu para poder me seguir com os olhos mais uma vez. Fiz uma festinha na cabeça dele e deitei no sofá. O Farruco virou de costas para mim. Entrou para a cena com um suspiro e um fechar de olhos. Dormiu. Fiquei eu, espectador de encantos. E estive a segurar o mundo ainda por alguns instantes. Depois eu não sei.
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