Sei do teu paradeiro, apesar de te fingires escondida. Não faz mal. Sossega. É que a vida enrosca-nos em laços que, apesar de invisíveis, demoram muito a romper. Vão desfiando aos poucos, lentamente, até que um dia aquele último fio já gasto arrebenta sem um estalido que preste. Fazes bem. Se existissem olhos de ver, eu pareceria um corpo cheio de fios rompidos a esvoaçarem suspensos para trás por causa do andar da minha vida. O problema é que às vezes damos uns encontrões e nos enroscamos uns nos outros sem motivo que valha: pessoas esgaçadas que se embolam apenas por se terem cruzado perto de mais. Fios fracos e frisados que já não se entrelaçam muito bem, mas dão furtiva impressão de resistência. O arrepio do súbito contacto a confundir os sentidos. O tremor das coincidências bem planeadas para que assim parecessem e todos os demais jogos das relações. Um curto período a esticar ao máximo esses tentáculos emotivos e em seguida estancamos cada um para um lado. Quanto mais força, maior a distância. Eu sei do teu paradeiro, como sei de tantos. E quase posso ouvir a tua voz a subir em espiral desde o mais profundo da minha memória:
— João, não forces a minha subida! Deixa-me aqui no meu canto a desembaraçar estes fios baços que eu trouxe de ti e que ainda me causam impressão.
Não faz mal, querida. Purifica-te em paz. Não te vou fazer emergir na minha vida. Para quê? De nada nos ia adiantar. E vou-te gritar nas entrelinhas para que me ouças aí do outro lado do abismo e reconheças o tom das minhas palavras. Põe as mãos em concha nos ouvidos da tua lembrança. Não seria nada demais se não fosse a mais pura verdade enfiada biografia abaixo pela experiência. Vai com uma flecha disfarçada em travessão:
— Não é possível fingir eternidade para sempre.
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