Eu, meu irmão e minha margaridinha fomos, agora há pouco, até o Senhor dos Aflitos. Era meia-noite na aldeia, mas lá no cimo do monte eu conto o tempo pelas estrelas. Era a hora da Ursa Maior. Mas não há vazio no espaço, são muitos os diamantes incrustados no abismo do céu, mas só em meio universo; na outra metade, nuvens pesadas de um negro menos escuro que o do infinito. No meio de um silêncio descubro pingos de chuva cintilantes que atravessam diante dos faróis do carro, leves e sem rectidão, plumas ou fadas incendiadas de encanto. Saco da lanterna de bolso e vamos até a porta da capela do Senhor dos Aflitos. Temos de tirar fotografias a ver se guardarmos um pedaço de tempo para a saudade futura. São fotos diante da capela e da cruz imensa que se impõe sobre a aldeia, mais para o lado. Depois ficamos a olhar para a quietude que emana das luzes alaranjadas em toda a aldeia lá em baixo.
Vamos embora? vamos. Então vira a lanterna para aquele lado, que foi onde deixamos o carro. Mas antes, margaridinha, deixa eu te perguntar uma coisa:
— E se ficasses sozinha aqui em cima nesta hora negra, cercada de sombras?
Ela respondeu:
— Eu agarrava-me à cruz!
Sem comentários:
Enviar um comentário