sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O furo da camisa na altura do peito

Vestiu uma camisa que tinha furos nas mangas. E no peito, na altura do coração. Pôs a mochila às costas, seguiu até o portão e parou. Para aonde ia? Fazer o quê? Desceu um caminho estreito afastando com uma das mãos as silvas e na outra um isqueiro com o qual tentava acender o cigarro. Não conseguia, era o vento, era tão difícil lutar contra a natureza, a sua, aquela, ainda mais quando nos sentimos fracos, quando não sabemos para onde ir ou o que fazer. Ter aonde ir. A camisa rasgada e os sapatos sujos de poeira, rasto de tantos passos. Inúteis? Já havia chegado à estrada e ainda não conseguira acender o cigarro. Parou. Viu o mundo incendiado de sol, o vento a torcer-lhe os olhos, o cigarro abandonado a um canto da boca, o isqueiro morto numa das mãos e tanta distância, tanta extensão à sua frente, para os lados, atrás, um falso silêncio já que tudo ao seu redor devia estar a gemer de vida e força, mas dentro dele era uma só coisa a bater de um lado para o outro nas paredes nuas da cabeça: aonde vou? Tentou mais uma vez e conseguiu finalmente acender o cigarro. Jogou a mochila para a outra berma da estrada, não importa, o que vai ali dentro?, e então sentou-se no chão encostado ao muro de pedras e pôs-se a fumar enquanto olhava para o furo da camisa na altura do peito. Na altura do peito e do lado esquerdo, um furo imenso.

pincel-na-estrada

Sem comentários:

Enviar um comentário