sábado, 17 de março de 2012

Não chores esta noite

mulherm

Não chores. Não esta noite, minha querida. Logo virá aquela manhã que tanto esperas e este dia se chamará passado. Não tarda. Enxuga o rosto. Acredita. Tem calma, deixa esta hora suspensa. Mas não o teu grito contido. Não chores, grita de uma só vez. Dou-te uma frase forte e cheia do que tenho: eu gosto de ti sem motivo. Deve ser o teu jeito, a tua pressa, a postura do teu corpo adiantado para cima do perigo, o olhar que desvias para o chão quando lembras-te do que vens passando. Olha, não sei. Não vertas mais uma lágrima sequer. O preço que se paga por manter as feridas abertas é tão alto. Fecha-as todas. Põe as tuas mãos em cima com força. Estanca as imagens que ficam a passar e a passar na tua cabeça. Eu te ajudo com as minhas sobre as tuas mãos. São tuas, toma-as. Vai doer, sim. Quem disse que não? Eu sei que tens medo do futuro, afinal ele parece estar sempre para além da linha do horizonte — sempre além, sempre! Isso. Grita! Esvazia as palavras. Parece sim. Concordo contigo, meu carinho. Nem imaginas que estou aqui, a abraçar-te na imaginação, a pôr a tua cabeça no meu ombro e a dizer ao teu ouvido não chores, respira fundo que o teu dia não tarda. Tens os olhos cansados, pois custa tanto. Só tu sabes. Tens o cabelo desarrumado (foi do meu carinho? Eu sei que não. Antes fosse.), tens a blusa entreaberta; onde foi parar o outro brinco? Eu procuro, deixa. Agora olha para mim: se sofres o tempo passa numa lentidão imensa, quase eterna; e a tua alegria quase sempre um segundo, não é? Deixa esta hora suspensa depois do teu grito e aguenta mais um pouco. Primeiro amanhecerá no mar, depois na tua pele. E da pele para dentro é um instante.

Não Chores (José Roldão) by José Roldão

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