sexta-feira, 13 de abril de 2012

Fui tua testemunha e não sabes

invernia_25Chove. Cinza a descolorir a cidade. Uma mulher passa pela rotunda. Vai a conduzir. Olha para dentro de si mesma, mais que tudo. Os braços mexem-se ao volante, a cabeça repara no cruzamento, olha, uma marcha a menos, desenvolve, retoma a marcha de antes e segue – se se pode chamar seguir a um ir assim. Passa ao meu lado, mas não me vê. Não vê ninguém, e ninguém a ela. Só eu. Sigo-a com os olhos e agora já só vejo cabelos e o seu carro a diminuir de tamanho imprensado pela distância. Uma curva mais adiante e a seguir o meu adeus pensado. Nunca mais nos vamos cruzar, provavelmente. Mas eu a vi. Fui testemunha do seu passar. Uma partícula de sua vida pertenceu-me por instantes. Uma vida que passa, que já passou e há-de estar a passar por outro alguém invisível. Que mundo é este? Tanta invisibilidade. Estamos todos sós. Passamos. Eu queria que ouvisses o que eu tinha para te dizer, mulher. É no dizer impossível da imaginação, mas ouve-me: o teu carro cinzento estava a combinar com o céu, feito nuvem. Mais uma coisa, é da tua intimidade; mas não vou te ver de novo e tenho de o dizer antes que a tua imagem se dissolva na memória e nunca mais: eu sei que não estavas simplesmente a conduzir o carro, mas a tua vida.

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