domingo, 3 de junho de 2012

A caricatura

tempo— Ignoras-me constantemente, meu amigo. Há quanto tempo não falamos? Não te deves ter esquecido do que vivemos em nossa juventude, das histórias que partilhamos. Não entendo essa tua repulsa. É-me tão estranha, inexplicável. Eu mantenho as mesmas atitudes, os mesmos gostos, as mesmas ânsias, faço as mesmas coisas que fazia, não fui eu quem mudou. O que houve?
— É isso.
— Isso o quê?
— Não mudaste. Perdeste-te no tempo, não seguiste com ele. O que dá tudo no mesmo. Vê a tua roupa. Os teus gestos. E com quem andas. Não percebes que os anos das tuas amizades não correm como a tua? Envelheces, é facto. Mas quando as tuas companhias sofrem o tempo, tu trocas-as por outras mais novas, por outras que têm a mesma idade, os mesmos anseios e a mentalidade que ainda querias ter.
— Gosto de música, dos fãs-clubes, da juventude, dos grupos e das mulheres novas e imaturas e cheias de sonhos irrealizáveis que encontro por ali. Dou-lhes a promessa da realização até que o tempo me contradiga e me descubra diante delas. Que mal há nisso? Não quero seguir adiante. Para quê?
— Pois é.
— Como assim, pois é?
— Eu não fiquei para trás. Eu estou aqui, no presente. E tu, além da caricatura, não.

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