O ser fragmentário que és. Já paraste para pensar? Quando tu te lembras da tua existência é sempre aos pedaços, um aqui outro ali na névoa do passado que te rodeia, o teu fundamento: um abraço que recebeste e era o mais do pouco que tinhas; uma tristeza que te deixou uma mancha encardida nas paredes, antes alvas, da memória; uma drástica mudança de princípios que inverteu e os jogou para os fins até mais ver. Vi-ver. Quando olhas, hoje, para ti mesmo, dizes: «Este sou eu» Mas não confies tão facilmente numa afirmativa que te serve apenas para o sempre de todos os dias e que na maioria das vezes não te quer dizer nada nem para trás nem para amanhã. Vai sendo o que tens de ser para cumprir o teu destino insondável de ser humano. Não afirmes, não negues: sê. Todos os teus fragmentos um dia hão de se juntar no todo que és e que ainda não conheces por sofreres o defeito do tempo. Calma. O tempo é para existir só enquanto dura. Depois é a eternidade, a impossibilidade de ao menos deixares de ter existido uma vez que vieste à luz. Um homem só tem o seu destino narrado com precisão quando ele já não tiver mais boca para o contar. Quando o teu silêncio definitivo der a vez à voz da tua biografia na memória de qualquer um, menos na tua, então serás. O destino de um homem pertence aos outros, nunca a ele próprio. É a morte que vem consertar o defeito de se ser humano, que vem unificar todos os pedaços que foram acumulados no lugar do teu esquecimento. É a morte que sela e faz existir um destino, pois um destino é algo que se fixou. Algo que só então permanecerá imóvel a vagar no infinito. E é sempre tarde de mais para quem consumiu a vida inteira a cumpri-la. Sempre tarde.
terça-feira, 7 de agosto de 2012
Os teus pedaços
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