terça-feira, 6 de agosto de 2013

Arredia

Arredia. És assim. Passas sempre às pressas. Nem sei como são as tuas pernas: cruzam-se tão rápido — tenho apenas uma imagem arrastada pela velocidade na minha imaginação. Mas o teu rosto transforma-se num sorriso e então duas maças amadurecem, coradas, uma de cada lado e acima da tua boca. Teus olhos iluminam-se, dois raios, fogos-de-artifício, e então vais. Eu sei para onde, mas é como se não soubesse. É um lugar de mistério porque até há pouco parecia-me desabitado. Mas subitamente as janelas abertas, focos de luz incandescente por cima da minha cabeça, geometria que atravessa quase até o outro lado da rua estreita e quase deserta se não fosse por mim. Só que eu também tenho a minha pressa, que é menor do que a tua mas também trabalha a favor dos distanciamentos. E sigo adiante — tenho de ir. Será que tu sabes para onde? Não, não deves saber. Outro dia hei de tentar equiparar velocidades — é parecido com o estar parado mas não bem assim. É ir ou vir juntos. É separar o mesmo pedaço de tempo para se passar a dois e tê-lo de sobra para uma outra vez. E outra. E não o ver passar por se estar a ver de outra forma. Mas já te segurei demais com a minha atenção. Logo tu, que és assim, arredia, sempre às pressas. Até outro dia. Não, não cores as maças do rosto. A hora é de apagar a luz. Já é tarde e não convém teres os olhos assim tão acesos senão eu não durmo. Boa noite. Só mais uma coisa: não te esqueças de fechar as janelas. A noite tem arrefecido.

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