quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O meu lugar sou eu

Quando eu ando e olho para o que me cerca, sinto-me estranho. Há uma ruptura. Eu interrompi o fluxo do que aqui se ia acumulando e fui me deixar em parcelas em outro lugar. Lá onde residem as memórias de outros, de antes de mim. Na pátria, isto é, na terra dos pais. Mas se me ponho a pensar. Será que. Não fui eu quem interrompeu o fluxo, eu é que sou o fruto de uma interrupção bem mais grave e anterior. A dos de outro passado em outro lugar. Eles é que vieram e então eu, sofrendo um acidente geográfico, nasci na interrupção que era deles. Depois eles voltaram ao lugar de origem e fiquei eu aqui. E mais tarde eu também fui e pratiquei a interrupção que me calhou. Por isso, a dupla nacionalidade me caiu tão bem. Se olho para os meus documentos duplicados, uns do Brasil, outros de Portugal, sei: duplicados, mas só os documentos. Eu não, mas não sei explicar como não. Uma questão que já me acompanha há muitos anos. Por isso, eu não penso no de onde. Vou sendo um pouco lá, outro aqui. E se posso ser em dois lugares e continuar a ser eu mesmo é por ter em mim esta unidade. Este, o que narra. O que sou e vou sendo, aí sim, sem interrupções, no mais íntimo possível de mim mesmo. Não importa onde, porque o meu lugar sou eu.

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