Esta é a minha última noite no Brasil antes do regresso à Portugal. Ainda tenho o dia inteiro de amanhã, mas já sinto na língua do meu espírito o gosto do não sei quando volto a esta casa e a estas pessoas. Há previsões para um retorno em breve, mas quem mas garante? O caminho até as memórias recentes já se vai afunilando, e este meu jovem passado já vai sendo destilado. Sei que o que me vai sobrar será apenas um resíduo que vou levar comigo daqui até não sei quando. A memória é fiel, também misteriosa, e não admite controle sobre o arquivamento do que para lá mandamos. Esta é a última noite. E nas últimas noites nunca sei direito o que pensar ou sentir. Sei que penso menos e sinto mais. Mas por ser tanto o que sinto o meu pensar de menos não chega para o traduzir em vernáculo. Fico analfabeto de mim mesmo. Por isso, a única maneira que encontro para me expressar é através da mímica destas palavras. Incompreensíveis? Superficiais? Dispensáveis? Sim, se comparadas com o que tenho por dentro em convulsão. Faço então o gesto bem discreto de um até breve. Um adeusinho de longe e que quase não se vê. Há muita confusão na frente, mas está lá. Apertem um pouquinho os olhos que o vão ver.
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