Enquanto eu tomava banho a lenha mexeu-se e deitou fumo pela cozinha. Então abro a porta para desanuviar as ideias da casa. O Farruco está deitado na sua cama, ao lado da lareira. De repente, lá fora, uns gatos guincham e esgadanham-se rua abaixo. O Farruco levanta-se, corre, desce as escadas e derrapa até o focinho poder latir colado ao portão úmido da chuva de há pouco. Tudo isso em dois segundos. Os cães vizinhos imediatamente fazem coro, também despertados do seu sono de inverno — possivelmente, também dormitavam ao lado de suas lareiras — alardeando impropérios contra o absurdo de existirem gatos. Mas aí a comunidade felina afunda-se na aldeia e a canina recolhe-se satisfeita, mas não sem antes soltar uns esguichos em pontos estratégicos, a remarcar territórios. O Farruco, trabalho de espécie cumprido, sobe as escadas e senta-se ao meu lado. Diz-me, sem dizer: «Viste?» E eu digo, com a mão na sua cabeçorra: «Sim, sim, cãozinho valente. Eu vi.» Termino o cigarro, e ele, que sabe o que isso quer dizer, levanta-se e vai-se deitar na sua cama fofa encostada à lareira. Venho eu para cá, escrever. Ele está aqui, ao meu lado, e já quase dorme. Os olhos a meio-pau. E a noite segue, entibiada, ao som do crepitar das brasas que dão tom à cozinha e desenham as nossas silhuetas. Penso: este cão é feliz. E eu também, por poder perceber estas coisas e saber que sim.
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