sábado, 15 de fevereiro de 2014

O sanhaço velho

Reencontrei um sanhaço que tem mais de dez anos de idade. Foi no Rio de Janeiro, no bar ao lado da minha casa de lá. Eu não sabia que um sanhaço podia viver tanto. Ele tem um probleminha nos pés, que estão meio atrofiados e cascudos, mas é até muito asseado. Quando minha amiga troca-lhe a água da banheira por causa do calor ou para promover a higiene ele imediatamente mergulha e faz festa. Está um pouco capenga da idade, mas tem lá as suas euforias e transborda água e satisfação para o jornal do dia que faz a vez do tapete no piso da sua jeitosa gaiola. Lembro-me da sua infância problemática. O sanhaço nasceu em um ninho no meio do emaranhado de fios do poste em frente à minha janela do primeiro andar. Um dia, espevitado que era — aventureiro, como disseram os seus irmãos mais tímidos naquela fatídica manhã —, coitado, acidentou-se. Caiu. Não morreu do tombo, e que tombo!, mas a minha vizinha teve de correr para o livrar de um atropelamento que seria fatal. Salvou-o por pouco. Como o pássaro ainda não sabia voar e a sua mãe era uma desnaturada que voava de mais e aparecia de menos, minha amiga apanhou-o e cuidou dele. E assim passaram-se dez anos. Na verdade, um pouco mais. E aí, quando eu fui ao bar e dei de cara com a sessão de banho, fiquei surpreso com a longevidade daquela ave e a sua boa disposição em plena terceira idade. E vai muito bem, obrigado. É de um azul embaçado e tem o bico salpicado de pó de alpiste, mas no geral é muito limpinho e falador — até demais. Já não se entende bem o que ele diz, parece que são só resmungos. Mas ele não se entregou ao tempo e isso é o que interessa. É um sobrevivente. Dizem que vai viver outros dez. Eu o confirmei, cheio de esperança. Oxalá que sim.

Sem comentários:

Enviar um comentário