Eu queria escrever, então fui à varanda pedir umas palavras à natureza. Vejo névoa. Uma imensa serpente branca acordando no vale, sobre o rio Paiva. Vem subindo devagar, cheia de mistério mas sem provocação. Chegou à estrada. Um dedo dela tocou o meu nariz e encheu-me de arrepios sem medo. Névoa fria, que escondeu a aldeia. Estou cego do mundo, envolvido em manto alvíssimo. Ouço a névoa passar, sinto-a nos meus ouvidos como numa concha o oceano. Silêncio absoluto. Onde estou? Mas aos poucos volto a distinguir os galhos nus da ameixeira, depois a ramada e as videiras que hibernam em silêncio, as suas curvas enrugadas, velha videira incansável. Dou por mim no topo da aldeia, vejo lá em baixo o entroncamento. Bem vindo, quotidiano. A névoa se foi. A fria serpente há de seguir para outro lugar. Eu fico aqui, tímido por não poder descrever a natureza como ela merece, por ter na imaginação imenso funil por onde entra todo o real e seu indissociável mistério e ele ter de sair a espremer-se pelo estreito do meu inventário pessoal. Tímido. Pequeno. Enquanto o vale do rio Paiva tem sobre ele uma serpente imensa. Tão grande que é capaz de ocultar toda uma aldeia em suas curvas sem se esgotar. Eu fico aqui, cheio de espanto e admiração. Agradecido pelas palavras. Que também vêm mas logo em seguida vão para não sei onde. Como a névoa.
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