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terça-feira, 28 de janeiro de 2014

A casa onde cresci

Da janela, eu vejo a minha infância. Ruas que os meus pés cada vez maiores pisaram, até o dia em que minhas pegadas tornaram-se adultas e desde então sempre iguais. Caras envelhecidas que eu conheço desde quando era ainda a juventude que estampavam. A rodovia, sempre jovem, barulhenta de dia e de madrugada pulsações. Mas aqui dentro... Interruptores de luz, os mesmos desde que fui sendo gente. Cada parede sou eu. Vivi na mesma casa desde o meu nascimento até os trinta e cinco anos, então toda ela confunde-se com a minha pele e com o que está daí para baixo. Nesta casa, no Brasil, foi depositada a semente da minha memória. Aqui. Só aqui, talvez, eu possa conversar com o que de mim fui esquecendo. Comigo mesmo, mas não o mesmo. Com aquele que está ali, agachado sobre o tapete da sala, brincando com um robozinho azul e vermelho. Aquele que nem imagina que um dia voltaria ao passado para ver a si mesmo e pensar: quase igual. Ou só quase. Que é a parte da frase que sou eu.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Seu Jão

— É, seu Zinho, o bom filho à casa torna.
— Pois é, seu João. Como vão as coisas?
— A vida é uma desgraça mas a gente se alegra, não é mesmo? Ando pra cá, mais a Maria, às voltas com o aprumo da casa. Obras. Sabe como é, uma lixeira que dói. Mas na hora do descanso o café cai bem. Corpo cansado aceita com prazer regalias. Quando o sol se vai a pôr já fico feliz do café. É aquela história, seu Zinho, antes do bolo pronto a gente já sente o cheiro bom dele e vamos comendo com a imaginação.
— Por falar nisso, tem bolo, seu Jão?
(Maria, traz pedaço de bolo pro estrangeiro — risos)
— Bolo de fubá, você gosta?
— Adoro. Se com café, então, nem se fala.
(Passa um café também, Maria)
— Tá ficando velha, a mulher. É a vida. Eu só não fico velho também porque não me olho no espelho. Mas mulher, sabe, né, se olha toda hora. Sente saudades dela mesma. Vai conferir. Vê cada envelhecimento novo. Explico a ela que não se olhe senão parece mais velha a cada vez, então ela diz que quando olha para o relógio o tempo demora mais para passar. Diz que o tempo no espelho tinha que ser igual. Eu concordo com ela, o tempo é que não.

Simpatia do brasileiro

É um deleite ouvir os diálogos cheios de piadas e sacanices e sorrisos e sentir na pele a boa vontade e a simpatia do brasileiro. Seja conhecido ou não. E tenho exemplos a toda hora. Basta pedir uma informação e lá tomamos com o cuidado de uma mão no ombro enquanto a outra aponta para aonde se deve ir. Mas o apontamento é logo interrompido: «Eu te levo lá, vem» E temos um guia que vai conosco até um ponto do caminho onde já se torna visível o nosso destino, ainda que seja para o lado oposto daquele para aonde ele estava indo. «É ali adiante. Quer que eu te leve lá?» E digo não, não precisa, mas muito obrigado meu irmão. E o guia diz que nada, eu hein. E dá um sorriso e segue mesmo como se nada. Debaixo do sol, a cara engelhada e o suor a estampar as costas da camiseta. E vai. Já me esqueceu a meio, mas eu não. Fico ali parado, pensando: eu faria isso por ele? E não sei. Mas gostaria imenso de ser gente assim.

Crônicas ostentação? que nada.

Pensei que nesse retorno à terra da nascimento eu fosse escrever crônicas de ostentação por estar a viver há quatro anos em euros mas nem pensar. Para viver no Brasil tem de se ser rico. E volto a este assunto por estar realmente assustado. Preocupado com os meus amigos e o que restou de família por cá. Como disse minha amiga Gisele: «Não, a moeda corrente não é mais o Real e sim o Surreal» É moeda de primeiro mundo. Lá em Portugal estamos em crise e, coitados de nós, temos de pagar muito mais barato por tudo. É o jeito. Disse muito bem a Adriana, amiga aqui do Brasil que também está a viver em Portugal: «É mais fácil ser pobre aqui», ou seja, lá. E é. Crise Europeia? depende do modelo de comparação. Eu nasci no Brasil e a crise aqui naquela época já era quase adolescente. Cresceu, está madura e não quer envelhecer. Somos países irmãos, ou pai e filho, mas calhou-nos ter os preços trocados de lugar. Quem colhe o fruto do trabalho em euros não poderia viver de câmbio no Brasil. Só mesmo de passagem, em férias, e com muito cuidadinho para a travessa de comida não ir ao bolso demasiado fundo e abrir um buraco. Não sei o que andaram a fazer com o Brasil depois que eu deixei este país. O que é isso? ou melhor, quem foi? pior que eu sei. E não há nada a fazer, pois o fazer vem sempre tarde demais.

Dia para não ser, mas estar.

Tarde de calor, mas lá fora, onde tudo é a abafar. Aqui dentro, com o vento do circulador de ar a bater-me nas costas e enfiado na sombra das quatro paredes do fundo do apartamento, o dia segue fresco e de cabelos levemente balançados. Tarde morosa, boa para não ser mas apenas estar. Tanta coisa resolvida e ainda duas, as mais importantes, pendentes para amanhã. Resolvo-as? espero que sim. Para eu poder existir no Rio de Janeiro em plenitude e não do lado de trás e através do vidro que o vou vendo. Tenho Portugal às costas a fazer força para o meu retorno válido e com soluções arrumadas na mala. Então, que esta semana fique tudo em ordem para a falta de ordem que eu vou precisar daí em diante. Mas só depois. Calma. Hoje não, hoje é dia de não ser mas apenas estar. Então vou ali comprar pão francês e mortadela defumada para estar melhor.

Jesus em ritmo de rumba

Tenho aqui no Brasil uma vizinha tão crente mas tão crente que a crença dela só funciona à partir do volume máximo e vai até a rouquidão do equipamento de som. Tenho as janelas a tremer com o nome de Jesus em ritmo de rumba, em refrão repetitivo e cheio de força gutural. Jesus, salva-me. Faça o aparelho de som da minha vizinha enguiçar.

Café e coxinha

Saio pela porta do desembarque e deu logo de cara com uma lanchonete ali ao lado. Eu, todo faceiro e pimposo, cheio de saudosismos gastronômicos, vou direto ao balcão pedir uma coxinha e um café. Faço uma manobra arrojada com o carrinho da mala e estaciono meio enviesado, ansioso, em frente ao caixa. Afino meu sotaque carioca e faço o pedido. Aí a menina canta o custo dos meus desejos: tudo, são 11 reais, disse-me. O quê? espera, como assim tudo se esse tudo é só uma coxinha e um café! espanto-me em desânimo, já pensando em reduzir a lista de futuras comilanças de besteiras que eu tinha preparado além-mar. Ela faz então uma cara de quem pensa que raio de pobre é esse que me veio cá comer as minhas iguarias feitas em banha de ouro e às quer de graça?! Enfim, a coxinha custou R$7 e o café brabo R$4! Nem dois minutos em solo carioca e fui logo assaltado. Credo.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Avião e nuvens fotografáveis

O vidro estava sujo das mãos das nuvens, que se encostaram quando espiaram dentro do avião e deram de cara comigo. E então desceram às pressas. Mas não faz mal. Mais uma vez eu vi o céu pelo lado de cima. E o Brasil por debaixo dele. Foi a lâmina-asa que os separou. — (in Rio de Janeiro, Brazil)

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