terça-feira, 1 de abril de 2014

Ventania. E um cãozinho tolo que só ele.

Venta muito. Vento que assobia alto de encontro às portas e janelas. Estou na cozinha. A lareira apagou-se. Foi natural. A lenha deu o que tinha de dar, mas perto do fim engoliu para si as poucas chamas que restavam e ficou a abrasá-las ainda por muito tempo. Depois, enfim, cinzas. A cozinha tem duas portas: uma para a frente e outra para o quintal dos fundos. Estamos no alto, acima da estrada e na beira e a meio caminho de um elevado: e a casa vai levando fortes tapas de vento no lado esquerdo da sua cara de alvenaria, na face que dá para o quintal. Estive um tempinho em silêncio, a ouvir tudo isso. E sem querer imaginei a casa sendo arrancada e capotando de lado vale abaixo e adiante. Giros e giros até ser pequena lá onde a vista não alcança. E o Farruco, coitado, latindo desesperado, correndo atrás. Pus-me logo a rir. Cãozinho tão doido, meu Deus. Até em uma imaginaçãozinha tola destas ele faz graça.

sábado, 29 de março de 2014

O que houve, primavera?

Que há contigo, primavera? No Brasil é que a hora e lugar do outono. Em Portugal as flores imploram por um pouco de calor para enfim fabricarem as cores pelas quais ansiamos e temos direito. Trago os olhos cinzas. Como hei de apreciar aquela flor lilás que nasceu à força numa fresta daquele muro ali fora, em meio a uma dureza ancestral? Pedro, o que há contigo? Move os teus braços, espanta todas as nuvens e põe um sorriso em tua face de pedra. Já estou farto de melancolia. Ando saturado com a natureza, que cismou com a sépia. Põe as manguinhas de fora, que já é hora. Já passou. A primavera era para ontem. E tenho pressa.

domingo, 23 de março de 2014

A bomba atômica

O piloto lança a bomba atômica. Lança-a e faz rápida manobra de evasão. Mas segundos depois volta. Ele quer ver o que desencadeou. Quem viu uma imagem dessas tão de perto sem ser vítima? A beleza da explosão de uma bomba atômica, seu esplendor, que é o esplendor da inteligência humana, que só é esplendor quando seu poder ultrapassa e dissolve o limite da existência de todos os outros, poder que extermina gerações, que cancela futuros. Que imagem fascinante! ainda que por debaixo haja gente tanta a morrer. Morrerá mesmo alguém? — pensa. O homem mantém os olhos fixos e o avião na direção do imenso cogumelo que se vai abrindo como uma flor cósmica, como se fosse uma ação divina, a recriação do mundo, só que ao contrário. Pasmo com o homem. Quanto poder. Ele vai. Vai mais um pouco. E não volta.

Não dormi, sonhei

— Meu Deus do céu, cruz...
— Que foi, vó?
— Não dormi nada esta noite.
— Não?
— Não. Foi a noite inteirinha a sonhar! estou que não me aguento.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Houve um pequeno atraso

São Pedro esqueceu-se de regar ali uns cantinhos da aldeia e então mandou um diazinho de chuva para terminar o seu serviço terrestre. As flores desses cantos são importantes. Precisam dessas gotas a mais para exercerem a beleza primaveril que delas aguardamos. Então todos os animais se recolheram em respeito e ansiedade. Exceto por um ou dois melros que tinham também o que fazer em certo atraso. As estações vêm assim, aos lances. E dão imenso trabalho para nossa irmã natureza. Não reparem. Em breve tudo há de se acertar e teremos enfim toda a beleza em cores que nos foi prometida desde o despontar da primeira flor sobre a terra. Uma flor que continha em si uma promessa. Promessa que há de se cumprir. Acredita.

Coisa assim, insignificante

Ah, fim de tarde de luz diáfana e azul. Ouve-me. Conta-me um mistério qualquer. Uma coisinha assim, insignificante. Há dias em que só um mistério revelado nos salva das horas inúteis que fomos contando. Ainda que seja só um espanto pequenino, apenas para a súbita descontração do cenho. Vejo no horizonte o que resta desse teu fio azul, fina lâmina que vai cortando o dia em noite. Corta-me. O sol se pôs comigo. Pode ser que se me escape o que dele foi demais e em mim não coube.

domingo, 16 de março de 2014

O imenso São Bernardo

Um São Bernardo vem pela rua, em passos lentos. Meus olhos encontraram nele imenso desânimo. Os cães, em desacordo comigo, tomando o desânimo por arrogância, lançaram-lhe em cima ondas de latidos. O São Bernardo não demonstra qualquer alteração, como se não existissem mais outros cães no mundo senão há muito tempo atrás. Ele vem. Não alterou em nada o seu passo lento, mais lento ainda por causa do seu tamanho. Cansaço animal. Adianto-me até a varanda, vejo-o de cima. Enquanto os cães vizinhos estão no máximo da sua revolta, chamo-lhe. Uma, duas, três vezes. O cão levanta muito lentamente a sua cabeça imensa e olha para mim com a boca aberta e a língua em pêndulo. Ele olha, e são quatro segundos desse olhar. Olheiras vermelhas. Escorrer-lhe pelo focinho o que lhe resta da sua vontade já liquefeita. Não me ouve. Imagino que só vê a minha mímica (anda! segue teu o caminho! anda) e tanto lhe faz. Então estico o braço e aponto o dedo para adiante. Ele baixa o olhar, e esse baixar são dois segundos. Custa-lhe seguir, mas o que importa?, nem pensa nisso. Ele apenas vai. Segue, curvado, como se lhe custasse tanto cada passo. A cabeça baixa; segue indiferente aos latidos, que a esta hora já são os de toda a aldeia. Algumas pessoas já mostraram meias faces por entre as cortinas. Mantenho o meu dedo em riste, feito seta cujo alvo é o silêncio de todos os cães do mundo. Ele vai: lento. Tem a cabeça baixa. Leva dependurado no focinho um único fio de vontade líquida, a balançar. Vira em outra rua e desce sobre pedras de encontro à estrada. O alvo então é meu, conquistei-o, venci. Toda a gente fecha as cortinas e dá tudo pelo fim. Fico ainda um pouco na varanda. Tenho nos ouvidos o prêmio do silêncio animal. Os outros cães entraram. Ele, enfim, desapareceu. Mas tenho ainda aquele virar lento de cabeça na memória, aquela indiferença cansada e já parte de um corpo que não se importa com tudo o mais. Com tudo o que já deixou de existir e que agora é só um pouco que não chega, mas que importa? Esqueçam. Olho desde dentro do meu invisível para aquele olhar. Um olhar que poderia ter sido o meu, mas que hoje foi o de um imenso São Bernardo. Um imenso São Bernardo que no entanto já passou.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Um dervixe na aldeia

Ao virar uma curva, vejo adiante, no meio de uma rua cerceada por altos muros de pedras, um senhor já com certa idade a girar com os braços abertos e a olhar para o céu. Como um dervixe. Gira e sorri para as nuvens. Quando me aproximo, ele olha para mim e desfaz o seu êxtase solitário. Sabemos que o modo de o conseguir é sempre em privado. Vou profanando-o com os meus passos e com a heresia dos meus olhos, que estão fixos nele. Ele sorri para mim, o mesmo sorriso que deu para as nuvens. Sorrio também. Passo por ele quase como se o atravessasse. Mais à frente, volto a cabeça para ver o que ele está fazendo. Ele já não está lá. Mas eu sei onde estamos. Estamos em Alvarenga, onde muito é possível.

domingo, 9 de março de 2014

Os domingos de antigamente

Os domingos eram tão bons quando as ruas ficavam vazias e cheiravam a churrasco familiar. Gente nos terraços, lá no alto, em meio à fumaça das churrasqueiras. Copos de plástico sobre os muros. Risos que sobressaiam por cima do mormaço e que de vez em quando escapavam dois ou três andares até o chão. Eram domingos de sol relaxado, de cigarras protagonistas aplainando silêncios, ausência de trânsito, todas as lojas fechadas. Da janela eu via os carros dos familiares chegando com travessas enroladas em panos de prato de domingo, os homens com engradados de cerveja nos ombros, crianças engomadas, de meias brancas até quase o joelho, fitas nos cabelos das meninas, meninos de cabelo lambido em franjas de lado. E a dona da casa que vinha abrir a porta com um copo de cerveja numa das mãos e uma coxa de galinha na outra, dedos e lábios lambuzados. O abraço cuidadoso para não sujar ninguém, dois beijos fictícios, só estalos, sem toques, sorrisos de adultos, timidez de dois minutos das crianças. Eram domingos tão bons. Essa gente toda em churrasco e cervejas e convívio. Não havia internet nem telefones móveis. Só gente de carne e osso, e peles, olhos, lábios. Até para se ser estúpido e mal educado era mais difícil, pois havia os olhos e os punhos do outro ali na frente. Domingo que tive de ir buscar à memória nesta tarde sem cigarras. Nesta tarde sem o cheiro de sal grosso de outros tantos domingos.

quarta-feira, 5 de março de 2014

E veio o sol

E veio o sol. A vista até dói. Mas o espírito, pelo contrário, respira em harmonia depois de tão longa abstinência solar. Entendo perfeitamente o motivo de terem envolvido o sol em divindade desde que o homem é homem. Parece mesmo um deus. Fica ausente durante muito tempo, alheio às orações, mas depois ressurge repentinamente em milagre quando já ninguém mais se lembra do que pediu e a reza já é outra. Ninguém se iluda ou desespere. Um deus, por ser no eterno, não pode ser lento. Lento em relação a quê, se está tudo ali em simultâneo? Nós é que talvez sejamos apressados, porque temos de ter relação com tudo e então nos atrapalhamos com o quebra-cabeça do viver. Mas hoje há um deus no céu. Está ali, em todo o seu esplendor, visível a olho nu. Que milagre! E dá gosto estar aqui, assim, sentado na esplanada de um café, a sentir a sua bênção sobre a pele e a ouvir o corpo todo dizer amém.

terça-feira, 4 de março de 2014

A serpente do Vale do Rio Paiva

Eu queria escrever, então fui à varanda pedir umas palavras à natureza. Vejo névoa. Uma imensa serpente branca acordando no vale, sobre o rio Paiva. Vem subindo devagar, cheia de mistério mas sem provocação. Chegou à estrada. Um dedo dela tocou o meu nariz e encheu-me de arrepios sem medo. Névoa fria, que escondeu a aldeia. Estou cego do mundo, envolvido em manto alvíssimo. Ouço a névoa passar, sinto-a nos meus ouvidos como numa concha o oceano. Silêncio absoluto. Onde estou? Mas aos poucos volto a distinguir os galhos nus da ameixeira, depois a ramada e as videiras que hibernam em silêncio, as suas curvas enrugadas, velha videira incansável. Dou por mim no topo da aldeia, vejo lá em baixo o entroncamento. Bem vindo, quotidiano. A névoa se foi. A fria serpente há de seguir para outro lugar. Eu fico aqui, tímido por não poder descrever a natureza como ela merece, por ter na imaginação imenso funil por onde entra todo o real e seu indissociável mistério e ele ter de sair a espremer-se pelo estreito do meu inventário pessoal. Tímido. Pequeno. Enquanto o vale do rio Paiva tem sobre ele uma serpente imensa. Tão grande que é capaz de ocultar toda uma aldeia em suas curvas sem se esgotar. Eu fico aqui, cheio de espanto e admiração. Agradecido pelas palavras. Que também vêm mas logo em seguida vão para não sei onde. Como a névoa.

O Padre Velho

— Não passamos fome, mas também havia o Padre Velho que nos ajudava muito.
— Como era o nome desse padre, vó?
— Padre José, e era muito bonito. Tenho uma foto dele dentro de um livrinho da missa que ele me deu. Olha que me lembro de ser muito pequena, tão pequena que nem chegava na fechadura da porta, e o meu tio, ai ai, trouxe para casa algo que o padre lhe tinha dado e ouvi ele chamar um nome que parecia o meu (Céu Céu) e aí fui correndo, pequenita, toda contente de ser uma prenda, mas quando cheguei lá ele estava era a chamar o cachorro (chiu chiu). Ai ai.
— Como era o mesmo o nome do padre, vó?
— Estás a perguntar muito esse nome. Se calhar vais contar aos outros. Até hoje não me entra na cabeça como se pode escrever naquele coiso e todo mundo ver no coiso deles.
— Facebook.
— Porra! buqui… Hoje em dia há tanta coisa que já não posso dizer os nomes.
— Vou pôr no Facebook, mas até lá já esqueci de um monte de coisas do diálogo. Não quer que eu escreva esta conversa lá?
— Por mim… Mas se me perguntarem se fui eu que disse essas coisas digo logo que não.
— Aí vão pensar que eu inventei, vó.
— Eu tenho 86 anos, estou velha. Se disserem que inventaste, dizes que eu disse isso aí sim, mas como eu já estou meio caduca não me vou lembrar de o ter dito. Diz que é da idade. E aí ninguém vai estar a mentir.

sábado, 1 de março de 2014

Os sinos da aldeia

Os sinos da aldeia
um dia hão de tocar
(mas não os vou ouvir)
para um novo finado.

E nesse dia, os toques
(nos ouvidos da alma, setas),
só nesse dia, nunca mais,
hão de ser todos meus.

Os meus carnavais

Soube quatro dias antes. Sim, do carnaval. Gosto da festa. Por causa dos carnavais que faziam no bairro da minha infância. Quase de frente para a minha casa, montavam um poderoso palanque de esqueleto feito com grossas e disformes vigas de madeira, selado na base com placas de compensado que vinham da madeireira com as faces pintadas de cor-de-rosa. Anos 80, 90...

Lembro-me da preparação da rua, quinta ou sexta-feira antes do carnaval.

Laçavam e dependuravam em barbantes grossos incontáveis tiras estreitas e compridas de plástico colorido (tinham cheiro de plástico novo, como o que se usava em casa para encapar os livros escolares no início do ano letivo). O vento chicoteava as fitarolas. Espiralavam, doidas, horizontais da ventania, a estalar no mormaço: slap slap. Mas só de vez em quando. Quando o vento do bairro suspirava ansioso pela festa.

Durante a madrugada, esticavam fios com lâmpadas incandescentes em zigue-zague, enquanto ilhas de garrafas de cervejas vazias jaziam pela calçada no trajeto que se ia enfeitando.

Lembro-me do cigarro dependurado na boca do «Besouro», entre o cavanhaque e os óculos redondos fundo de garrafa.

(Tarde da noite. Na rua, o som de uma garrafa partida. Levanto-me, vou à janela. O Besouro em cima de uma escada: uma das mãos segurando no último degrau, a outra com o fio das lâmpadas dali até o chão, rabiola de luz prestes a se acender. Ele grita — a luz do poste no meio da nossa distância, ofuscando nossos olhos e impedindo-nos de ver além da ofuscação:

— Vai dormir, Roldãonzinho!

Esboço um sorriso na certeza de que a miopia dele não me vai ver. E volto para cama. Mas não durmo: tento entender o motivo do riso esporádico lá fora, dos sons de escadas se abrindo e fechando. E cada vez que me levanto para ir ver a rua ela é sempre outra, e outra, e outra. É o carnaval que a vai tomando pelas mãos dos homens.)

Carnaval da Alegria, Carnaval do Esplanada e, mais tarde, já para os últimos, Carnaval da Paz. E foi sendo assim chamado para haver contraste com o que foi acontecendo com o passar dos anos, do que se foi apossando da festa, a qual, antes, era apenas uma festa de saltos e fantasias.

Foi a realidade. Foi-se alterando e levou com ela os carnavais da minha infância. A violência apagou as luzes incandescentes, cortou os barbantes e jogou ao lixo as fitarolas e nunca mais foram vistas ilhas de garrafas jazendo nas calçadas, porque já não houve mais preparativos noturnos. A minha rua, apenas uma rua, nada mais. Tiros e balas perdidas, acertos de contas, tumultos e correrias substituíram os saltos e a alegria. Varreram o Besouro, o Moisés, o Renato, o Silvinho, o Pezão. Ainda os procurei nos primeiros carnavais vazios e silenciosos. Fui à janela, mas não estavam lá. Aos poucos, alguns deles foram deixando de estar também no mundo. O Besouro e o Moisés sei que foram levados pela mesma violência que acabou com o carnaval. Foram assassinados. Com culpa? Sem culpa? Não me interessa. Com eles foram-se dois pedaços quase irrecuperáveis da minha infância. E se digo quase é por ainda poder trazê-los de volta, aqui, nesta crônica, que vou escrevendo de longe, sentindo o cheiro do plástico das encadernações, a ouvir o vento ansioso pelo carnaval, a olhar para a luz que há na minha memória e que ofusca apenas os meus olhos, os da minha imaginação. Eu, que também fui varrido, ainda que tardiamente, dos meus carnavais de rua. Mas ainda estou aqui, mesmo que distante. E vos peço licença. Por favor, abram passagem, porque eu trago muitos carnavais comigo.

domingo, 23 de fevereiro de 2014

Pedras de muros de gelo

Silêncio absoluto. Vazios. O frio faz das pedras dos muros pedras de gelo. Pedras absolutas. Antigas. Sem recordações próprias, mas com a memória da nossa passagem, confusa, entremeada ao musgo que as chuvas esqueceram nelas. Memórias agarradas, ali, com medo do sol. Memórias curtas, decerto. Pedras lisas demais. Culpa do vento. E a minha imagem, depois de milhões de outras imagens já esquecidas, a passar por elas. Som de folhas ainda quebradiças, apesar de úmidas. Meus pés. Pés tolos. Repisam as mesmas folhas até que já não estalem mais e sejam apenas uma pasta de cores de outono. Todas as pedras dos caminhos por onde passei já me esqueceram. Quem és? dizem em absurda imobilidade. Então digo não sei. Minto. Passo de novo. De novo. Minto sempre. Mas dentro de mim, em inviolável intimidade, respondo vezes sem fim: sou Sísifo.

Não muito feio, não muito.

— Eu ia me chamar só Afonso, dona Maria, mas aí a minha irmã mais velha sugeriu que fosse Luís Afonso, que ficava mais bonito e tal...
A minha avó:
— É. Até que não ficou assim muito feio. Não muito.

Farruco, um cão conservador.

O Farruco é um cão muito conservador, odeia gatos. Sem ecumenismos ou coisa assim. Outro dia quase fatiou o gato lerdo do vizinho. O raio do gato preto e velho é burro demais. Todo noite senta-se em frente à porta da cozinha, na varanda, e põe-se a ver estrelas ou ratos nas nuvens, não sei, e todo dia o Farruco dá-lhe sebo nas canelas. É uma rotina tão escarchada que antes que eu abra a porta, mas já na iminência de, o Farruco fica na posição de tiro e mal abro uma fresta ele sai em modo espoleta varanda e escadas abaixo, na certeza de trincar o bichano lesado por já saber da exata localização costumeira do invasor. De cada 10 vezes que abro a porta em oito o Farruco faz o gato voar por cima do muro. E safa-se nas outras duas por estar a chegar ou a sair e ser assim fácil dar a meia-volta. É burro mesmo, o gato. E meio lerdo nas fugas, parece que está cheio de ar, inflado, e tem dificuldades com a gravidade, inclusiva com a da situação. Tem cara de espantado, olhar de louco, e o pelo preto todo estufado. Mas há duas noites eu tive de intervir, pois os dois se enroscaram de tal modo no chão que eu só via um tufo preto a girar a bufar a rosnar. Tive de pôr ordem na bicharada. Berrei «Farruco!» e os dois pararam imediatamente e ficaram a olhar para mim. Ainda tive de ter a gentileza de dizer para o gato: estás à espera de quê? foge infeliz! E só aí ele se foi, lutando com a gravidade, inflado, a rebolar na ponta das patas. E ainda teve de tentar o salto do muro duas vezes, enquanto o Farruco o motivava ao pé do rabo. Mas depois disso, já são duas noites de ausência. Será que aprendeu? E até quando se lembrará do aprendizado?

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Ucrânia, Venezuela: o futuro? ou a ausência de?

Mais de 60 mortos em Kiev, na Ucrânia. E hoje os manifestantes capturaram a usina atômica de Rovno. E agora? A Praça da Liberdade está negra: ardeu diversas vezes, e pintou de fumo a cara dos dois lados. Na Venezuela também vai negra a liberdade, o povo inteiro a arder nas ruas. Em ambos os países já foi dada e executada a ordem para o uso de munição letal, isto é, para que se mate a sério. E então vão morrendo civis no atacado. Será o futuro, ou seja, a ausência dele?

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Literatura

Cada livro é todo um universo particular. Não me canso de levantar as sobrancelhas em espanto diante de um novo arranjo de palavras que me fascina. Qual a novidade delas? são meras e corriqueiras palavras. Assim como as pedras. Duras. São coisas geométricas pintadas numa folha ou riscos negros na tela de um aparelho eletrônico qualquer. Mas aí um bom escritor às mistura de uma certa forma e adquirem alma, tornam-se quase viventes, e então transfiguram-se em luz, sombra: em sentidos. Sujeitos que falam de nós de uma maneira às vezes mais íntima do que a nossa com nós mesmos. Literatura. Quem me dera mais vidas. Gastava-as todas assim. Ou que eu viva intensamente a minha. Para que esta me valha mais do que muitas, umas seguidas às outras. É o mais provável.

Uma taça de vinho em teu nome

Uma taça de vinho em teu nome. Vinho tinto, que é da cor do que eu ia te dizer e não disse. Fui sempre adiando. Mas não te importes, eu já deixei o destino sem resposta outras vezes. Bateu-me à porta e não fui atender. Uma, duas. Mas o destino sempre espera um pouco, geralmente ali, na varanda — tantas vezes, meu Deus —, sentado nas escadas, a olhar para a aldeia até o limite da exaustão, à espera de um ato que não chegou a ser porque eu não quis disparar um pequeno gesto em determinada direção. Uma taça de vinho tinto. Vinho maduro, como penso ter sido todas as vezes que neguei uma possibilidade por prever que ela tornar-se-ia em um impossível mais adiante. Em mim, tudo é simples. Quase. O mundo é que não. Sempre. Então, esta taça, esta única taça de vinho tinto (que é da cor do que eu ia te dizer e não disse — ainda? nunca mais? já não sei), esta pequena dose, bebo-a em teu nome. Brindo ao teu silêncio, que é todo ele inocente. Por não saberes da cor que vou beber, aqui, da porta para dentro — o destino ainda lá fora? —, por não haver uma outra taça e então eu ter de duplicá-la diante do espelho mas preferir assim. No entanto, vejo no reflexo dos meus lábios a mímica involuntária do teu nome. E sinto vazar mil razões para ter respondido ao destino. Mas agora? Já não tenho certeza. Acho que já se foi. Talvez. Faz imenso silêncio lá fora. Olho para a taça de vinho. Quem sabe? Mas nem pensar, eu é que não vou lá ver se sim ou que não. Um brinde. Tim... E só.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Amor inevitável

O homem tem um fundo que o excede. Será só um mistério? Ou será que o mistério é apenas uma nossa invenção? para que ele aconteça e assim possamos adiar o que não sabemos justo por não haver nada que nos adiante saber. É triste não ser espírito pelo lado de fora, ao invés de carne. Não sei. E cada vez sei menos, já que muitas respostas foram sendo dadas mas nasceram órfãs e sem a esperança de adoção definitiva pela realidade. Ir sendo. Assim, sem saber. Acho tão tolo aquele que diz que sabe. Que sabe da sua religião e das dos outros, da sua política e da do adversário, da vida dos outros mais do que. Para quê? Para inverter-se algum tempo depois e desdizer do outro lado o que disse do lado de cá? Isto causa-me uma confusão dos diabos. Já o observei em mim, se ponho em contraste o que fui e pensei no passado e o presente que vou sendo e pensando. E do futuro, quem sabe? Eu é que não. Deixa-te quieto. É o melhor que fazes. Vai sendo em silêncio, essa tua paixão cada vez mais forte. Quem sabe um dia torna-se um amor inevitável e assim entregas-te de uma vez por todas? E vais criar vida no monte mais alto e mais difícil, e olhar para a cidade, que é esse esse teu tumulto interior, e achar até graça de tu a ela ter já pertencido.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

A palavra transparente

Ouviu um tilintar e foi ver o telemóvel. Nada. O evento repetiu-se três vezes, e três vezes olhou para o aparelho. Nenhuma notificação. Foi quando, sem querer, acabou por balançar com mais força a mesa do café e descobriu: com o movimento, o copo vazio tocava na garrafa de sumo e tilintava. E pensou: «Já se foi o tempo em que as coisas se tocavam e não queriam dizer absolutamente nada. Tilintavam, e só. Hoje em dia tudo pode ser mais alguma coisa. Desdobramentos de sinais. Esperas. Surpresas. Excesso.» Então chamou a menina do café para que lhe esvaziasse a mesa. Depois, enviou uma mensagem vazia, sem texto, para todos os números móveis da sua lista de contatos. Quem compreenderia aquela mensagem e leria a palavra solidão que ia ali transparente? Mas a mesa agora estava vazia. Não havia nada que pudesse tilintar. Nada tilintou. Absolutamente.

Tenho dois países e tanto dentro de mim

Eu tenho uma alma. Vive no meu corpo, e junto dele faz o que eu sou como indivíduo. E tenho um lugar: o Largo de Trancoso. Se não estou aqui, é onde a minha alma e corpo haveriam de estar. Se estou, é e não é o que deveria ser. Meu espírito não tem pouso. É que o meu largo tem três quartos dele que ficam na minha imaginação, é a porção maior, que vitimou-se da minha memória. O largo de Trancoso, o largo duro, de pedra e alvenaria, esse um quatro, fica em Alvarenga, que é uma aldeia e no entanto não como as que costumam figurar em nosso imaginário. Há banco, mercados, restaurantes, cafés, empresas, e assim. E há também o Rio Paiva, que é um dos rios mais limpos da Europa; há montanhas, e nelas pinheiros e eucaliptos e vegetação para mim misteriosa. No segredo noturno das ruas, há sonoros e palradores cães; no alto e em pares, corvos enamorados que desenham corações que vou seguindo com os olhos e fechando-os com um laço de sorriso breve; sob a neblina das noites, corujas melancólicas, que amam a melancolia a ponto de não a saberem; e a pisar em pinhas e folhas, raposas solitárias de olhar perdido no mais íntimo dos montes. E mais. Não tenho vida que me baste para o descrever minuciosamente. Sou um tolo dos fragmentos. Um tolo que cisma de os agarrar e de os ver escorrer por dentre os dedos. E que sai todos os dias em busca de mais. Mas não tenho pouso. Sou dois olhos que vão pairando sobre a aldeia e a cidade, sobre um país e outro, dois países que são meus, e tudo o que vejo faz parte de mim. Então, que ninguém repare se me encontrar um pouco nos muros de pedras, entre o castanho do tempo e o verde dos musgos. Ou no poste de energia em frente à minha janela distante, duas mãos nos fios de alta-tensão, as pernas balançando e os calcanhares tocando o emaranhado de fios; ou entre as duas serras da vista dessa janela, sob o sol escaldante de um olhar que esqueci de pegar de volta e lá ficou para sempre, lá, aqui. Como hei de pensar no de onde eu sou? de onde? se sou de tanto? e se esse tanto é tanto que só cabe inteiro dentro de mim?

Da vozinha da cabeça da gente

Não tens vergonha de ainda não teres ido à Lisboa? perguntou-me o meu anjo da guarda, talvez (essa vozinha de dentro da gente). Respondi que não, não tenho, mas menti. O raio do anjo riu-se. Então fiz-lhe um pecado gestual e ele pôs-se sério (não sei se a vozinha é mesmo angelical, por isso a ousadia). E aí quem se riu fui eu. Mas sisudei logo, ressabiado com a mudez do anjo. Um segundo, dois, três; caímos na gargalhada, que alívio. O anjo disse vou te arranjar uma ida à Lisboa, não tens vergonha de nunca teres ido? Pensei, em surdina: que coiso de anjo chato, meu Deus, só tinhas esse? Mas ao dizer meu Deus ele sumiu. Escafedeu-se. E então continuo sem saber quando vou à Lisboa.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

O sanhaço velho

Reencontrei um sanhaço que tem mais de dez anos de idade. Foi no Rio de Janeiro, no bar ao lado da minha casa de lá. Eu não sabia que um sanhaço podia viver tanto. Ele tem um probleminha nos pés, que estão meio atrofiados e cascudos, mas é até muito asseado. Quando minha amiga troca-lhe a água da banheira por causa do calor ou para promover a higiene ele imediatamente mergulha e faz festa. Está um pouco capenga da idade, mas tem lá as suas euforias e transborda água e satisfação para o jornal do dia que faz a vez do tapete no piso da sua jeitosa gaiola. Lembro-me da sua infância problemática. O sanhaço nasceu em um ninho no meio do emaranhado de fios do poste em frente à minha janela do primeiro andar. Um dia, espevitado que era — aventureiro, como disseram os seus irmãos mais tímidos naquela fatídica manhã —, coitado, acidentou-se. Caiu. Não morreu do tombo, e que tombo!, mas a minha vizinha teve de correr para o livrar de um atropelamento que seria fatal. Salvou-o por pouco. Como o pássaro ainda não sabia voar e a sua mãe era uma desnaturada que voava de mais e aparecia de menos, minha amiga apanhou-o e cuidou dele. E assim passaram-se dez anos. Na verdade, um pouco mais. E aí, quando eu fui ao bar e dei de cara com a sessão de banho, fiquei surpreso com a longevidade daquela ave e a sua boa disposição em plena terceira idade. E vai muito bem, obrigado. É de um azul embaçado e tem o bico salpicado de pó de alpiste, mas no geral é muito limpinho e falador — até demais. Já não se entende bem o que ele diz, parece que são só resmungos. Mas ele não se entregou ao tempo e isso é o que interessa. É um sobrevivente. Dizem que vai viver outros dez. Eu o confirmei, cheio de esperança. Oxalá que sim.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O quer dizer sobre o Brasil?

Não sei o que dizer sobre o Brasil. Ou melhor, sei. Mas ainda é muito e então é preciso que o tempo faça a tosquia na minha memória para me aliviar do excesso, isto é, do dispensável (para mim). Nunca tive receio de perder o que ia escrever. Mesmo as notas que faço não são para a recordação das ideias, mas para o desenvolvimento delas. Frases ou palavras desconexas são já um texto inevitável, ainda que não desenvolvido. Mesmo que apagado depois de vir a luz dos olhos. Por isso não tenho pressa. Também é por isso que escrevo coisas sem ordem cronológica, apesar de não parecer e ser de propósito que não o pareça. Qual ordem? Como eu concedo a mim mesmo total e inviolável liberdade, o que me importa não é a ordem dos fatos no tempo em que aconteceram mas sim a importância que a recordação me sugere no momento mesmo da sugestão. Um instante. Não sei o que dizer? sei. Na verdade, a gente sempre sabe. A questão é ainda não o querer e ao mesmo tempo sim. Então, propositadamente, esqueço-me. E depois, se e quando algo me tocar a recordação, isto sim, será o resíduo que me interessa e vou aproveitar. E um dia, quando todos esses resíduos esgotarem-se, eu estarei feito homem. Um homem que existiu e que, de aí em diante, definitivamente completo, inteiro, estará finalizado. Para sempre.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Um cão feliz

Enquanto eu tomava banho a lenha mexeu-se e deitou fumo pela cozinha. Então abro a porta para desanuviar as ideias da casa. O Farruco está deitado na sua cama, ao lado da lareira. De repente, lá fora, uns gatos guincham e esgadanham-se rua abaixo. O Farruco levanta-se, corre, desce as escadas e derrapa até o focinho poder latir colado ao portão úmido da chuva de há pouco. Tudo isso em dois segundos. Os cães vizinhos imediatamente fazem coro, também despertados do seu sono de inverno — possivelmente, também dormitavam ao lado de suas lareiras — alardeando impropérios contra o absurdo de existirem gatos. Mas aí a comunidade felina afunda-se na aldeia e a canina recolhe-se satisfeita, mas não sem antes soltar uns esguichos em pontos estratégicos, a remarcar territórios. O Farruco, trabalho de espécie cumprido, sobe as escadas e senta-se ao meu lado. Diz-me, sem dizer: «Viste?» E eu digo, com a mão na sua cabeçorra: «Sim, sim, cãozinho valente. Eu vi.» Termino o cigarro, e ele, que sabe o que isso quer dizer, levanta-se e vai-se deitar na sua cama fofa encostada à lareira. Venho eu para cá, escrever. Ele está aqui, ao meu lado, e já quase dorme. Os olhos a meio-pau. E a noite segue, entibiada, ao som do crepitar das brasas que dão tom à cozinha e desenham as nossas silhuetas. Penso: este cão é feliz. E eu também, por poder perceber estas coisas e saber que sim.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Adeus miudinho

Esta é a minha última noite no Brasil antes do regresso à Portugal. Ainda tenho o dia inteiro de amanhã, mas já sinto na língua do meu espírito o gosto do não sei quando volto a esta casa e a estas pessoas. Há previsões para um retorno em breve, mas quem mas garante? O caminho até as memórias recentes já se vai afunilando, e este meu jovem passado já vai sendo destilado. Sei que o que me vai sobrar será apenas um resíduo que vou levar comigo daqui até não sei quando. A memória é fiel, também misteriosa, e não admite controle sobre o arquivamento do que para lá mandamos. Esta é a última noite. E nas últimas noites nunca sei direito o que pensar ou sentir. Sei que penso menos e sinto mais. Mas por ser tanto o que sinto o meu pensar de menos não chega para o traduzir em vernáculo. Fico analfabeto de mim mesmo. Por isso, a única maneira que encontro para me expressar é através da mímica destas palavras. Incompreensíveis? Superficiais? Dispensáveis? Sim, se comparadas com o que tenho por dentro em convulsão. Faço então o gesto bem discreto de um até breve. Um adeusinho de longe e que quase não se vê. Há muita confusão na frente, mas está lá. Apertem um pouquinho os olhos que o vão ver.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Sou amigo dos animais

Sou amigo dos animais. Não só por serem animais, mas por não usarem a palavra como meio de expressão e terem de se expressar de todas as outras maneiras menos essa e assim ser tudo mais intenso. Um olhar, um gesto com a cabeça, sons sem medo do ridículo, tudo tão expressivo. Simples. Lembro de quando ainda era criança e passava muito tempo deitado no chão ao lado da gaiola de um dos muitos Canários ou Coleiros que eu tive. Gostava de ver os seus movimentos ágeis, às vezes engraçados, sem jeito, e estar ali espantado por haver vida inteligente além do humano, observando essa vida se mexer e existir. Fascinação que durou tanto. E hoje me veio a saudade desses momentos. De apenas estar a observar quem sabe da sua existência e mais nada. Hoje eu sei que esse saber revela-se através do medo de um dia não mais se poder ser. Mas isso o sei eu, que sou homem e penso em validar todos os meus atos para que tenham significado e me valham a pena. Os animais são seres simples, impecáveis. Não têm que dar satisfação a ninguém. Nem a eles próprios. E desse modo tudo lhes vale a pena. Porque tudo tem apenas a importância de um instante. Mas nós, coitados, nascemos homens. Sem meio de fuga. Pois se agíssemos como os animais não seríamos nem bichos nem humanos, porque cada um tem o seu destino a cumprir e não há intercâmbio nem meio termo possível. Calhou-nos o mais difícil, fazer o quê? Talvez não perder o espanto diante da natureza. Não deixar que a nossa fascinação se atrofie diante do quotidiano que nos coube. Ou seja, não nos tornarmos os animais que os animais nunca foram.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Quatro dias

Só me restam mais quatro dias no Brasil e nem de longe fiz tudo que queria. Não houve temo hábil, isto é, tempo de passeio, que é o tempo que interessa. E mesmo as duas idas à praia foram, ainda assim, por ter de resolver coisas a meio do caminho e eu ter aproveitado a viagem, como se diz. Vou aproveitar essas migalhas de dias para ver alguns amigos que ainda não vi e para dar oi e tchau ao mesmo tempo, meio sem jeito por não ter tido tempo que bastasse. Mas passei todos os dias, exceto por cinco, com a minha filha. Trabalhou comigo, cansou-se comigo, levou com sol e mormaço na cabeça comigo, passamos madrugadas à janela fazendo upgrades um do outro, enfim, foi o mais importante e, egoisticamente falando, o que me era e foi indispensável. Agora é olhar engelhado para o sol e rir-me da sua imponência e dizer-lhe: queimas-me só mais um pouco, depois ignoro-te por meses a fio e não vou sentir grandes saudades de ti, ao menos por algum tempo. Mas só de ti. Do mais, custa-me pensar. Custa-me dizer. Então não digo.